Fake-Ollie 2004

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Sabe quando alguém chega e diz: ah, agora você vai ouvir umas verdades? Isso aqui é exatamente o contrário.

Textos às terças e/ou sextas.

Autor

Olinto Neto, ou Ollie para os íntimos, vive e escreve em Fortaleza, CE.

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sexta-feira, junho 18, 2004

Estranho encantamento

Foi porque ele acordou, e já depois de muito tempo, percebeu que estava completamente afônico. Acordou só, como sempre, e não fosse um telefonema de anúncio, teria passado ainda mais tempo sem se incomodar com a falta de voz.

Não gostava dessas ligações, mas seria por isso que deixaria de ser cortês com a vendedora do outro lado. E algumas são muito insistentes. Mas hoje, tentou, tentou, e não conseguiu dizer nada. Ficou a ouvir a moça explicar que o crediário era o melhor do mercado, que lhe daria liberdade nas compras, e tinha até seguro.

Desligou, mesmo contrariado por cometer essa indelicadeza, e foi até o espelho. Se encarou e tentou gritar. Tentou sussurar. Falar normalmente. Cantar. Latir. Miar. Assobiar como um passarinho, mas isso nunca conseguiu fazer, nem quando estava são. Decidiu então que não seria à força que conseguiria achar sua voz. Mudou de estratégia.

Saiu para o jardim, cortou algumas flores do lilaseiro, ferveu no bule. Coou tudo e misturou com o que sobrou do mel colhido no sábado. Enquanto manuseava o extrato de lilás, foi atacado por uma melancolia profunda. Quando Elisa estava aqui, o jardim era seu lugar favorito. Nos últimos dias, quando já não podia mais caminhar, ele a carregava até uma cadeira de rede, sob a árvore, cercada pelos arbustos. Lá ficava lendo, cochilava, via as pessoas e os bichos passando lá longe.

De tempos em tempos, ele terminava uma parte do trabalho e ia lá ver como ela estava. Sempre a achava assim, perfeita, quieta, envolta numa aura roxa, as flores por toda parte, pelos cabelos, no chão, nas roupas. Aquele cheiro lilás que o hipnotizava era propriedade dela. E agora o estava sentindo novamente, e pela primeira vez se deu conta de ligar um sentimento ao outro.

Bebeu rápido e voraz, talvez para lembrar do gosto daquilo, para não sentir tanta falta. O xarope era grosso, meio doce mas também amargo, como uma lembrança boa. Derrubou o vidro no chão, mas não se importou. Retornou ao jardim entre lágrimas, e no caminho não percebeu que dizia, já em voz alta: meu amor, volta pra mim.

(ollie)

Notas

Lilás (Syringa vulgaris): Arbusto originário do Oriente Médio, cultivado por seus cachos de flores arroxeadas ou brancas, muito apreciado em todo o mundo por suas flores de delicado perfume.

Para febre: Ferver 60g de casca ou flores em 1 litro de água. Filtrar o líquido e consumir durante o dia. Para reumatismo: Coletar 200g de folhas de Lilás, esmagá-las e depois macerar por 15 dias em 100g de azeite. Filtrar apertando bem as flores através de uma peneira, empregar para esfregar as partes doloridas.

Lilac Wine, by Nina Simone.

Lilás, de Djavan.

Uma amiga disse que, segundo ensinamento Wicca, se você deseja despertar uma violenta paixão na pessoa amada, colha flores de lilás numa sexta feira de lua crescente e depois esfregue em seu corpo o sumo feito com as pétalas.

"Hold me now, don't start shaking. You keep me safe, don't ever think you're the only one, when times are tough in your new age." (The Polyphonic Spree / Section 12 (Hold Me Now))


ollie - # -

 

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